Nove entre dez conteúdos produzidos sobre gestão abordam, direta ou indiretamente, o tema liderança. Assim como a literatura é vasta, também é grande o peso das responsabilidades desse personagem no jogo corporativo.
A forma como os líderes atuam nas empresas vem mudando ao longo do tempo. No entanto, por mais que nos dias de hoje a gestão humanizada seja uma tendência, o imaginário empresarial ainda nos remete às raízes da velha Revolução Industrial.
Para se entender a influência desse período histórico no exercício da liderança basta assistir ao filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, onde gerentes atuam como autênticos capatazes.
Para além dos ensinamentos sobre gestão, a Revolução Industrial também moldou o capitalismo como muitos ainda o conhecem, um sistema econômico voltado para produzir resultados e gerar riqueza.
E para entender como a sociedade vem evoluindo e repensando o jeito de ser do velho capitalismo, compartilho dois fatos históricos que se contrapõe e revelam uma mudança de paradigma:
1- Em 1970, o economista Milton Friedman publica no “New York Times” um ensaio onde defende que a única responsabilidade social dos negócios é assegurar o lucro do acionista. Esse foi o mantra das empresas durante décadas. Um capitalismo tipicamente voltado para os interesses exclusivos dos shareholders.
2- Em 2019, a Business Roundtable, uma associação que reúne 181 presidentes executivos de grandes corporações americanas, lançou um manifesto denominado “declaração sobre o propósito de uma organização”, enfatizando o papel das empresas como agentes de promoção de bem-estar social. É o que chamamos de capitalismo de stakeholders.
Essa guinada na forma de se enxergar o sistema econômico vai ao encontro do capitalismo consciente, um movimento global que tem como finalidade elevar a consciência das lideranças empresariais para práticas baseadas na geração de valor para todos os stakeholders.
São quatro os pilares que sustentam o Capitalismo Consciente: propósito maior, cultura consciente, orientação para stakeholders e liderança consciente. Entendo que o líder tem papel central no cumprimento dessas diretrizes.
Para que o líder atinja um nível de consciência elevado, ele deve ser capaz de navegar de forma fluida em torno de duas variáveis: efetividade e afetividade.
O líder efetivo foca sua atuação nas entregas de resultados. Até aí, nada de novo. Afinal, não podemos conceber um profissional no papel de líder sem compromisso com resultados.
A grande questão é: como obter resultados a partir da perspectiva de uma atuação consciente? É aí que entra em cena a afetividade.
Da mesma forma que o capitalismo consciente tem como um dos pilares o propósito maior, que visa causar um impacto positivo na sociedade, internamente, o líder consciente precisa gerar um ambiente de trabalho saudável, inclusivo e cooperativo, fundamentando-se em relações humanizadas com suas equipes.
E como ser afetivo sem perder a efetividade? Acredito que as respostas a essa questão passam pela adoção, por parte do líder, de uma postura mais empática, dando ênfase à escuta ativa. É preciso criar espaços com cada um dos liderados para entender as suas dores e necessidades específicas, conhecendo-os além dos limites profissionais, gerando conexão genuína. Quando as pessoas são ouvidas e acolhidas, sentem-se mais valorizadas e, naturalmente, mais propensas a performar melhor.
Para tanto, o líder precisa entender que, literalmente, colocar as pessoas na agenda deve ser sua missão primordial. Afinal, o que difere o líder de um não líder é exatamente o fato deste se responsabilizar por pessoas.
Outro caminho possível é o exercício da vulnerabilidade. Líderes que mostram que são humanos e suscetíveis a dúvidas e fraquezas produzem um sentimento de reciprocidade em seus times, criando como consequência natural, ambientes seguros para os inevitáveis erros.
Para aqueles que acham que os caminhos acima são difíceis de serem seguidos, gosto de lembrar que líderes não nascem prontos, podem ser desenvolvidos. E para que isso aconteça, precisam se conscientizar que a era do comando e controle não consegue mais atender as expectativas dos stakeholders. Devem, portanto, ser capazes de desaprender para reaprender.
Se o mundo forjado pela Revolução Industrial mudou e não para de mudar, as empresas e seus profissionais precisam acelerar seus processos de transformação. Afinal, parafraseando Ghandi, a mudança que queremos para o mundo e para as empresas começa em cada um de nós.
Fonte: Diário do Comércio – Laura Torres Saliba